Robocop, merchã e outras coisas que não funcionam no Brasil

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Detroit é um buraco. Para dar uma idéia do fracasso que a cidade é, a prefeitura tem programas onde PAGA parar você ir morar lá, casa incluía. Mesmo assim ninguém quer. Quem viu Robocop e achou aquela Detroit fictícia puro exagero hoje percebe que foram educados e conservadores ao imaginar quanto a cidade iria para as cucuias em alguns anos.

Mesmo assim, sem ter nenhum mérito real, no mundo fictício e virtual a cidade ainda tem seus fãs, e o prefeito, Dave Bing (provavelmente patrocinado pela Microsoft) é ativo participante do Twitter, embora seus parcos 4293 seguidores demonstrem a popularidade da administração.

Um belo dia um cidadão enviou uma mensagem para o prefeito, uma mensagem que mudou o mundo <==alerta: hipérbole

robocop1

É verdade. Robocop é O embaixador de Detroit. Representa Justiça, Lealdade, Amizade, Honestidade, tudo que a cidade precisa. Uma estátua seria excelente. Só que o prefeito Bing preferiu não arriscar, e deu uma resposta-padrão:

robocop2

Felizmente outras pessoas compraram a idéia e iniciaram um site – www.detroitneedsrobocop.com – arrecadando fundos para a estátua. A meta era US$50 mil. Quando chegaram na metade um doador misterioso cobriu de uma paulada só os US$25 mil, viabilizando o projeto. DETROIT VAI GANHAR SUA ESTÁTUA, EIS ELA AQUI:

Robocop-Statue

Só isso seria um final feliz, mas você não me lê atrás de historinhas simples com finais felizes. O caso é mais complexo e mais legal ainda.

A empresa que doou os US$25 mil atende no Twitter por OmniCorp, seu nome completo é Omni Consumer Products. A empresa vilã dos filmes do Robocop, e que existe mesmo.

A doação, que fica parecendo masoquismo na verdade é marketing, onde todo mundo ganha. A Omni é uma firma pequena especializada em algo arrisco dizer inédito no Brasil: Desficcionalização.

O quê é isso? Isto:

trublood

Eles se especializam em produzir versões reais de produtos fictícios. Não é merchandising, é o produto mesmo, dentro do razoável. Se você for um vampiro de verdade não há garantia de que o Tru:Blood deles irá saciar sua sede. Também não há garantias que os marshmallows Stay Puft incorporem a essência de Gozer, o Destruidor. Talvez seja melhor assim.

A estratégia de financiar a estátua é, obviamente uma forma de cavar divulgação, mas não importa. É uma troca justa. Nenhuma empresa no mundo teria mais direito de associar seu nome ao Robocop. Do ponto de vista nerd é algo Full of Win. O retorno que estão tendo demonstra que as Interwebs aprovaram. Centenas de blogs e portais já comentaram o caso, citando nominalmente (há como não fazer?) a empresa e direcionando visitas para seus links. O feedback negativo tem sido zero.

Bem diferente do que aconteceu quando o Peixe Urbano resolveu usar seu banco de usuários para angariar doações para as vítimas das chuvas na região serrana do Rio, aquelas que ninguém mais fala pois já vem chegando o Carnaval.

A iniciativa foi louvável e a idéia de usar toda a estrutura de billing já existente faz todo o sentido do mundo, mas no momento em que o Luciano Huck, odiado por trabalhar na Globo e comer a Angélica (eu questiono a ordem, mas tudo bem) divulgou o link pedindo doações, o mundo desabou. (too soon?)

Seus 5% de participação na empresa foram exagerados para “dono do Peixe Urbano” e “aproveitador da tragédia”. Não importa que o site tivesse 5 milhões de usuários cadastrados capacitados a doar com um clique, na mente medíocre era só uma forma de angariar novos usuários.

Não adianta discutir com idiotas, também não dá para se precaver 100% contra eles, mas é preciso não ser ingênuo. O Peixe Urbano deveria ter colocado um texto com as contas oficiais de doações, caso as pessoas não quisessem se cadastrar para doar. Seria irrelevante mas daria menos um motivo aos haters.

Haters que se a Omni viesse para o Brasil ironicamente surgiriam da mídia.

Somos historicamente avessos a merchandising. Nossa TV infantiliza o product placement a ponto do incômodo. Há um medo enorme de que o espectador não perceba o produto, por isso ele é gritado balançado e apontado. Uma ida ao caixa eletrônico se torna um evento, com close na marca e no cartão.

Mais ainda: Nossas novelas vivem em um mundo sem propaganda, sem marcas. Elas só aparecem na hora do merchã. É pecado mortal mostrar um produto que não esteja patrocinando. A Globo acabou virando refém das próprias regras draconianas, os grandes anunciantes exigem contrapartidada, e quem tá pagando, tá mandando.

Onde entra a Omni? Ela não teria função. Não há sequer uma cultura de merchandising na nossa TV.

NOTA: A Globo usa Merchandising como termo em português para Product Placement. Internacionalmente Merchandising seria a veiculação de marcas em produtos agregados, como cadernos do Homem-Aranha, etc. É um uso errado? É, mas eu não vou brigar com a Globo, e se ela espirrar, saúde.

A Globomarcas, lojinha que cuida da venda de produtos associados aos programas da emissora é uma vergonha, comparado com o que temos lá fora nas Internetes. Uma busca simples: Globo Esporte. Mercado amplo, gastador. Sabem quantos produtos relacionados há? CINCO MIL (mentira, só cinco. 5, não cinco mil. 5)

Compare com a diversidade de produtos só neste site, que vende… camisas do Sheldon Cooper.

À ausência da cultura de merchandising some uma antipatia dos autores para o capitalismo (é, o bom e velho ranço de esquerda de todo intelectual brasileiro) e 99% dos empresários com empreendimento maior que uma banca de acarajé são vilões. Quem andaria com a marca de vilões estampada na camisa? (ok, eu, mas não conto)

Há uma falta de cuidado total na programação visual das empresas fictícias das novelas e séries brasileiras. Percebo que é uma espécie de “controle de dano”, pra quando copiarem não ser perdido grande coisa. Só que isso enfraquece o produto.

Sim, queridos autores, sua novela, sua série é um produto. A empresa que você cita na série, é um produto.

Eu adoraria ter comprado camisetas da Armação Ilimitada, cadernos com capas do Diário do Crepúsculo. Na época do Bem Amado alguém perdeu milhões ao não vender o Legítimo Licor de Jenipapo Made In Sucupira, e como assim ninguém vendeu medalhas do Zé das Medalhas?

Não é porque a Globo não repete “abaixo a Rede Globo” que ela é boba. Essa cultura de não pensar merchandising, de não pensar desficcionalização vai muito além do Jardim Botânico. Ninguém envolvido com produção cultural no Brasil parece pensar diferente, independente de emissora ou produtora.

Repetem a velha ladainha de que é feio ganhar dinheiro e que isso nunca deve ser o objetivo, e sim a consequência. Não percebem que da forma com que colocam, o termo mais adequado é “coincidência”.  TODAS as grandes obras de arte individuais da História foram feitas por dinheiro. Da Mona Lisa ao Requiem de Mozart. Ganhar dinheiro com o próprio talento NÃO é demérito. Demérito é se orgulhar de não ter feito uma maldita camiseta “Demóstenes Maçaranduba – eu voto” com a cara-de-pau excelente de sempre do Zé Wilker.



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