E não é que a Mulher-Maravilha funciona?

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A Mulher-Maravilha é um dos personagens mais complicados da DC. É muito fácil cair no sexismo barato, ou pior ainda, no ridículo. Ela demanda toda uma mitologia para funcionar. Não é simples como um garoto rico com problemas e brinquedos caros, ou um alienígena escoteiro que não ALTERA nada estabelecido no “mundo real”.

Diana foi um presente dos Deuses, e pra começar toda a mitologia grega teria que se tornar verdadeira, algo que o público não aceita muito. A desculpa de deuses-aliens de Thor não funcionaria, sem deuses a MM perde a força, viveria iludida com todo mundo tendo pena de contar pra pobre Maravilhosa que a Grande Hera nada mais era que uma anêmona alienígena em forma humana.

Fora quadrinhos, onde a chamada “suspensão de incredulidade” é bem maior, a Mulher-Maravilha funcionou na TV nos anos 70 (1975-1979, 3 temporadas) e mesmo assim a série não tinha nenhum dos elementos sobrenaturais da personagem. Lynda Carter se tornou “a” Mulher-Maravilha no imaginário masculino coletivo e até hoje qualquer versão é comparada à dela.

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Depois disso nenhuma tentativa de trazer a personagem para a tela grande (ou pequena) vingou. Em 2011 a NBC produziu um piloto escrito por David E. Kelley, mas foi um desastre tão grande que sequer vazou. As poucas cenas que apareceram eram cômicas, o que seria ótimo se a história não fosse séria.

No campo da Animação a Maravilhosa se dá melhor. Um dos excelentes filmes animados da DC, Wonder Woman, de 2009 é brutal, engraçado, sério e épico. O começo do filme é sensacional, as Amazonas lutando contra as tropas de Ares, Deus da Guerra. A Rainha Hipólita pega carona em uma harpia inimiga, arranca a cabeça do bicho e cai em frente a Ares. Ele solta:

“Você parece tão ansiosa para me encontrar no campo de batalha quanto uma vez esteve para me encontrar no quarto, Hipólita”

Ela responde:

“Só espero que você demonstre mais habilidade nesta arena, Ares”

TA-POW, na lata!

Não é um desenho para crianças.

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Assim como não é o Flashpoint Paradox, EXCELENTE animação lançada recentemente. Em um futuro alternativo sombrio, Aquaman e Mulher-Maravilha, ex-amantes envolvem seus povos em uma guerra total. E antes que você venha dizer que é ridículo uma guerra por causa de problemas domésticos, lembre-se de Tróia.

Aqui um trailer, com spoilers, da luta entre os dois.

A Mulher-Maravilha funciona muito bem quando os autores lembram que amazonas são guerreiras, e que o foco não é o paraíso lésbico da ilha onde ela mora. Infelizmente isso é complicado de explorar em filmes.

Outra versão que ficou MUITO legal é o curta criado por Robert Valley, para a série DC Nation. Com um visual deliciosamente 70s, assista as 3 partes de um minutinho cada:

Legal, né?

Apesar disso tudo, a Maravilhosa nem sempre foi assim. mesmo com seu pedigree. Criada em 1942 por William Moulton Marston, um psicólogo feminista inventor do detector de mentiras, ela deveria refletir alguém com o poder do Super-Homem mas com o charme de uma bela mulher, triunfando não com os punhos mas “com amor”.

É, homem feminista já era uma droga desde aquela época.

Marston tentou criar uma personagem que fosse submissa, pacífica e gentil, características femininas que ele considerava superiores à violência masculina, mas que eram vistas até pelas mulheres como ruins, sinais de fraqueza. Claro, ele não conseguiu. Brincar de Gandhi é legal mas se seu opressor não está distraído com a 2a Guerra Mundial, não-violência é respondida com a boa e velha violência.

Para completar, Marston era um fetichista (nada de errado com isso) e inseria suas preferências nas histórias. Havia alguns casos em que óbvios símbolos fálicos era usados, em geral por escolha do editor:

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Em outro Marston mostrava que como todo mundo estava preso às convenções de seu tempo. Era perfeitamente natural que a Mulher-Maravilha soubesse costurar. 20 e poucos anos depois ninguém achou estranho o Peter Parker ter costurado o próprio uniforme. Fosse o Homem-Aranha criado nos Anos 40, teria pedido pra Mary Jane. OK, pedido não, mandado. Bons tempos. (brincadeirinha, meninas)

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Marston era vidrado em BDSM e dominação, o que ficava evidente em histórias onde havia menções nada sutis a raças de mulheres alienígenas com homens escravos, mas uma das graças do fetiche é a inversão (NÃO! Não do tipo que você está pensando. E se não pensou, não google) onde o dominador se torna dominado, os papéis se trocam, às vezes várias vezes durante a sessão.

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A Mulher-Maravilha de Marston é uma Mistress que quer experimentar ser escrava, mas como a perspectiva da personagem era feminista, e o autor entendia que ao dominar ela estaria dando prazer ao dominado, isso não era possível. Homens nas histórias da Mulher-Maravilha da Era Dourada eram vilões fracos e –vistos hoje- deliciosamente sexistas:

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Também rolava um certo spanking, não muito sutil:

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Diana curtia uma violênciazinha..

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Mas também curtia colocar uma menina rebelde em seu lugar…

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Outras vezes a viagem era mais estranha:

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O foco da Mulher-Maravilha de Marston eram outras mulheres, ela constantemente era capturada e amarrada, ou aparecia amarrando alguém.

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Ser amarrada por mulheres, tudo bem, faz parte, já por homens era inadmissível:

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Implore, escrava!

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Em alguns casos o conteúdo BDSM era tão explícito que se tornava praticamente didático:

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Esse tropo se mantém até hoje, mas o fetiche moleque, o fetiche de várzea, o fetiche-arte se perdeu. Não há mais a (não tão) sutil sugestão de perversão, o autor não passa mais a fantasia de uma Mistress dominando outras mulheres, e tão superior que sequer toma conhecimento do interesse dos homens. Nem como dominados eles serviam.

Também não exploram o fetiche de reverter e dominar essa Mistress. Antigamente havia a metáfora dos braceletes, que quando acorrentados por um homem faziam com que a Mulher-Maravilha perdesse seus poderes. Sim, é óbvios que é uma alusão a alianças de casamento.

Hoje a Mulher-Maravilha se resume a piadas de lesbianismo e capas que parecem dizer “Chupa Nanda Costa!”

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Compare com esta:

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Ou esta:

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Mesmo quando havia uma sugestão sexual direta na capa, era exigido um mínimo de esforço do leitor. Por mais óbvia que seja a metáfora visual ainda era uma metáfora.

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Hoje parece que desistiram da personagem. Explorar o fetiche, como feito impunemente por tanto tempo nos anos 40 seria inadmissível, hordas de pais fariam passeatas, com medo de seus floquinhos desenvolverem gosto por levar tapas na cara, afinal um gibi mandou fazerem isso.

A idiotização das massas também fez com que a sutileza fosse abandonada. Referências sutis não são captadas. De um ícone feminista que representava uma mulher em controle de sua sexualidade, algo que pode ser bem atraente para um segmento masculino, a Mulher-Maravilha se tornou uma gostosa genérica, uma Panicat fantasiada no carnaval.

Sem a complexidade do personagem, sem um componente sexual não-óbvio e ainda por cima tendo toda uma patrulha em cima, não é à toa que ninguém queira ou consiga fazer uma versão live-action da personagem.

A maior prova de que todos desistiram, aliás, é a imagem de abertura deste texto: É a Kimberly Kane, atriz pornô que estrelará a paródia Wonder Woman, da Vivid. Em um filme com orçamento de conserto de geladeira conseguiram uma atriz e figurinos perfeitos. Ela tem todo o porte e altivez esperados da personagem.

Axel Braun mostrou que entendeu muito mais a Mulher-Maravilha do que Hollywood. Compare com a deprimente figura de Adrianne Palicki, no piloto de 2011:

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Sempre disseram que Hollywood não entende mulheres. Agora que um produtor pornô conseguiu o que o criador de Chicago Hope e Ally McBeal não conseguiu, vejo que é verdade.

Isso está muito errado.



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